Sobre o Perdão ...

 
A etimologia da palavra Perdão é sem dúvida complexa. Ao pesquisar, podemos encontrar várias definições e significados. No latim se origina da palavra Perdonare, que significaria “dar, entregar, doar”. Podemos ainda encontrar a mesma palavra com significado de perdoar, ou ação de pedir desculpas.
 
O Perdão na nossa sociedade é caracterizado como uma conduta de benevolência a alguém que nos fez algum mal. Está diretamente relacionado à necessidade das pessoas em demonstrar bondade ou boa vontade em relação ao outro.  Geralmente pensa-se que o perdão é um ato, e para que ele aconteça, é necessário a retomada do relacionamento, ou do contato com a pessoa que nos afetou.
 
Mas precisamos refletir sobre o que o perdão significa para cada um de nós. Construímos esse significado a partir das nossas vivências pessoais no âmbito social e familiar. Um significado simbólico, único e singular que diz respeito a cada um de nós, o que inclui também significados específicos quando estamos voltados a uma religião ou doutrina específica.
 
Não podemos falar em Perdão sem considerar o que vem antes dessa experiência. Pressupomos que antes da necessidade de perdoar, nos encontrávamos magoados, chateados e profundamente feridos.  Em algum momento, confiamos de forma cega em um relacionamento de incontestável amor, confiança e profundo afeto por outro ser. Nesse caminho algo aconteceu, e o que parecia incontestável ruiu.
 
É comum conhecermos alguém em uma noite e nos identificarmos, ou conhecer alguém por uma vida e mantermos uma percepção enraizada sobre como realmente é aquela pessoa. Geralmente idealizamos as pessoas que nos cercam, fantasiamos qualidades e até a ausência de defeitos. Em outros momentos, mantemos uma percepção negativa de alguém que ainda não conhecíamos, e essa percepção se altera a partir da convivência. Assim construímos dentro de nós imagens internas que nos ajudam a nos relacionar e lidar com os conflitos nas relações.
 
De alguma forma, e por um ou vários motivos, nos decepcionamos profundamente, algo mudou a nossa percepção sobre aquela pessoa tão querida. A decepção não tem correlação direta com o relacionamento que estabelecemos com a outra pessoa, mas sim com imagem interna que criamos sobre ela.
 
Frases feitas como: “evite decepções, não crie expectativas” estão no auge, mas a verdade é que o processo de idealizar pessoas e vivências é necessário para nossa vida. É dessa forma que enfrentamos a relação com o ambiente e conseguimos nos adaptar as adversidades. 
 
A sensação de decepção e magoa não diz respeito à relação estabelecida com a outra pessoa, mas sim com a quebra da imagem interna que construímos em relação a ela. E todos sabemos o quanto é dolorido vivenciar esse sentimento.
 
Perdoar é mais que um ato isolado, é uma transformação emocional. Por isso, não é necessário conversar novamente com aquela pessoa, retomar a amizade, estabelecer contato, até porque a pessoa que lhe causou magoa ou decepção pode ter ido embora para um lugar distante ou, ter falecido. Perdoar não é uma ação, e sim um processo interno. Seu objetivo é restabelecer a ordem, trazer cura interna para a ferida que ficou aberta na alma.
 
Mas como realizar esse processo?
Se existe magoa, decepção, isso nos diz que fomos vitimas de uma ação. Sofremos algum ataque que nos feriu duramente emocionalmente. É completamente normal nos afundarmos em revolta e às vezes ódio. Porém, quando estamos muito envolvidos em raiva ou ódio, não há espaço para contemplar o ocorrido, muito menos sofrer ou sentir dor, cria-se um distanciamento.
 
Para isso é importante se afastar da situação e vê-la de fora, reconhecer a sua dor e não apenas a sua raiva.  Acolher o seu sofrimento. Permitir-se sofrer, pura e unicamente sofrer, ajuda a restabelecer sua saúde emocional em qualquer situação conflitante. Isso significa que preciso concordar ou aceitar o que foi feito conta mim? Não! Mas significa que você precisa sair da posição de vitima.
 
Quando saímos do lugar de vitima, há um espaço para observar a situação e pensar em até que ponto você colaborou para aquela “agressão” por parte do outro. Você pode pensar “Ah, mas eu não fiz nada”, sim, você pode não ter realizado nenhuma ação, mas, até que ponto a sua passividade colaborou para que a relação chegasse aquele ponto, ou, em qual lugar você se colocou naquela relação?
 
As relações são por si só complexas, geralmente não existe só um ator. Somos co-responsáveis frente ao que deixamos o outro fazer com a gente. Quando delegamos ao outro a razão das nossas aflições ou conquistas colocamos o controle da nossa vida em suas mãos. Ninguém pode ter esse poder além de você.
 
Quando reconhecemos nossa participação no que nos acontece, é possível perceber além da dor. Surge então o novo. Você passa a perceber que você pode seguir em frente, pois a esta altura, não é mais aquela pessoa que determina o que será de você, se você vai seguir ou ficar. Se dê o presente de sentir-se merecedor e recomeçar.
 
A cura interna, ou perdão, alem de tudo é re-significar a experiência dolorosa. É se libertar da magoa e perdoar a si mesmo. Não como uma mágica, mas partindo de um processo de cura interna.  Ao final será possível se abrir para novas experiências sem medo de graves ferimentos.
 
Tem alguém que você gostaria de perdoar?

Por: Bárbara M. Rodrigues
Psicologa Clínica

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